Antes de falar sobre o impacto da guerra, convém realçar que saúde mental tem que ser algo mais do que uma ausência de doença mental.
A saúde mental e psicológica pressupõe o equilíbrio do ser humano em muitas das suas competências de vida, um nível de felicidade ou satisfação que possibilite lidar com eventos potencialmente stressantes e que permita à pessoa atingir os seus objetivos ou cumprir os seus propósitos. Seguindo este pressuposto, pode ser redutor falar do impacto da guerra da Ucrânia como único evento impactante na saúde mental e psicológica das pessoas, mesmo para quem vivencia uma situação de guerra. No entanto, irei refletir sobre o impacto desta guerra sob a análise de apenas uma variável: a exposição ao evento. O grau de exposição acaba por determinar parte do sofrimento que um evento poderá produzir. Será sempre diferente o tipo de sofrimento obtido por uma pessoa que viva na Ucrânia, daquela que acompanha em Portugal as notícias da guerra. Teremos de pressupor que quem teve que fugir e abandonar uma vida, teve que abandonar familiares, terá um sentimento de perda maior; teremos igualmente que considerar que quem ficou para combater terá uma maior confrontação com o medo da morte. Falamos de emoções e não poderemos nunca confirmar se serão melhores ou piores das emoções de quem assiste a uma guerra apenas pela televisão, num qualquer país, como Portugal. Serão sempre emoções diferentes, no entanto também nós que estamos a milhares de quilómetros de distância sofremos, porque nos projetamos, porque temos empatia, porque neste momento podemos ter tudo e estamos conscientes do que podemos perder. Falta-nos em comparação com quem está em situação de fuga ou conflito a capacidade de agir, lutar, fugir. Estes três verbos são muitas das vezes essenciais para a luta contra a ansiedade ou contra o medo.
A exposição à Guerra na Ucrânia ou uma qualquer guerra em qualquer outra parte do mundo, altera a perspetiva de vida de todos, diferindo no nível de exposição, pode eventualmente provocar alterações ao nível da ansiedade, alterações nos padrões de tomada de decisão e processos de socialização, entre outros. Estas alterações podem e devem existir, desde que sejam funcionais.
Por Paulo Cunha (Psicólogo Clínico e Presidente da Delegação Centro da Ordem dos Psicólogos Portugueses)
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